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Wagner Soares de Lima

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Reflexões sobre trabalho, vocação, instituições, afetos e as travessias invisíveis que moldam quem somos. Aqui, escrevo com escuta, compartilho ideias com alma e transformo vivências em pensamento — para quem busca sentido, recomeço ou apenas companhia lúcida no caminho.

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Entre Necropolítica e Narcopolítica: o Brasil vive uma guerra camuflada, e insiste em fingir que não percebe

  • Foto do escritor: Wagner Soares de Lima
    Wagner Soares de Lima
  • há 1 dia
  • 5 min de leitura
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Nos últimos dias, parte do país voltou-se à operação policial no Rio de Janeiro e ao debate sobre o marco penal das facções criminosas.


E, mais uma vez, a reação pública oscilou entre zombaria, radicalismos ideológicos e análises apressadas.

Confesso que me constrangeu especialmente ver a humilhação dirigida à professora Jaqueline Muniz (UFF).

Podemos discordar do que ela aponta, e eu discordo de alguns pontos, mas a sua preocupação é legítima: operações sem transparência sempre carregam risco de rearranjo de poder. A história brasileira mostra que, quando o Estado usa força sem controle democrático, o “alvo” oficial nem sempre é o único interessado.


Mas há algo igualmente verdadeiro e urgente:

o avanço da Narcopolítica no Brasil chegou ao nível de conflito armado de média-baixa intensidade, como diz com propriedade o capitão Rodrigo Pimentel. A distinção entre “média” e “baixa” intensidade é apenas comparativa: não estamos diante de guerra convencional. Mas, para a segurança pública, trata-se de alto impacto, de um conflito que modifica a ordem cotidiana, organiza territórios, disciplina corpos e remodela vínculos comunitários.



A guerra latino-americana não tem dois lados e por isso não sabemos nomeá-la

Parte do problema está na natureza da nossa formação social. A América Latina, como um todo, vive o que chamo de “mestiçagem incompleta”: não há dois povos distintos para declarar guerra um ao outro; não há etnias em conflito formal; não há tribos separadas com identidades bélicas próprias.


O que há é algo muito mais nebuloso:

uma guerra camuflada dentro dos números da criminalidade comum.

Essa guerra não aparece como guerra.

Aparece como tiroteio, latrocínio, disputa de facções, “operação policial”, aumento de violência letal intencional.


E porque aparece fragmentada, a elite intelectual muitas vezes não a reconhece como fenômeno estruturado.

CV e TC dominam território; PCC domina fluxos e economia. São guerras diferentes.


Outro ponto que poucos discutem com seriedade:

o Brasil tem duas formas simultâneas de poder criminal.


  1. O domínio territorial armado: como exercido por Comando Vermelho, Terceiro Comando, milícias, “bondes”, “comunidades fechadas”.

    Aqui, a lógica é controle espacial, presença ostensiva, disciplina forçada, tribunais do crime e governança pela violência.

  2. O domínio sistêmico-econômico: como o PCC evoluiu ao longo das últimas décadas.

    Pouco tiro, muito fluxo financeiro.

    Pouca disputa de esquina, muita infiltração institucional.

    Uma economia oculta que movimenta bilhões, atravessa fronteiras, utiliza redes logísticas globais e estabelece parcerias com camadas sofisticadas da elite financeira.


Ambas procuram o que o Estado não tem conseguido proteger:

monopólio legítimo do uso da força e controle dos territórios e suas sociabilidades, incluindo-se aí: a capacidade de produção-exploração econômica





A polarização destruiu a inteligência do debate

É insano o quanto nossa opinião pública está dividida em três zonas de cegueira:


  1. Os que querem endurecimento absoluto, como se o punitivismo puro produzisse paz.

  2. Os que usam determinantes sociais para justificar tudo, como se desigualdade fosse passe livre moral.

  3. Os que negam a escala e a crueldade da economia criminosa, presos a fantasmas de 40 anos atrás.


Há pesquisadores que falam mais da ditadura militar (que precisa, sim, ser lembrada), do que do fato de que hoje, neste exato momento:


• meninas são obrigadas a fazer sexo para cumprir mandados de traficantes

• pessoas são queimadas vivas em castigos exemplares

• moradores são expulsos de suas casas em “despejos” de facção

• torturas são diárias, filmadas, ritualizadas

• tribunais do crime funcionam como Estado paralelo

• execuções sumárias viram rotina invisível


Como discutir segurança pública ignorando isso? A abordagem de Bukele, em El Salavador, acerta em alguns diagnósticos e erra em algumas execuções. E o Brasil?


É curioso. Tanto pessoas da centro-direita quanto da centro-esquerda que estudam seriamente segurança reconhecem algo em comum: o Estado brasileiro perdeu controle territorial sobre partes do seu território.

Bukele conseguiu retomar o controle em El Salvador, mas a custos democráticos altíssimos. Não é modelo para ser replicado sem uma crítica sensata.


Mas o diagnóstico, de um caso latinoamericano, sim, nos interessa:

quando territórios são ocupados por estruturas armadas, a resposta inicial raramente é civil; é militar-policial.


O Brasil já fez isso:

• GLO na gestão Dilma

• GLO na gestão Temer

• operações no Haiti

• operações na África em missões da ONU


Ou seja:

sabemos como entrar.

Não sabemos como permanecer.

Muito menos como reconstruir.


A presença armada estabiliza; mas é a presença comunitária que pacifica.



POLIS-ciamento comunitário

E aqui está, a parte central da minha proposta, quando fui policial, eu me especializei em polícia comunitária. Vi as várias inciativas surgirem e depois perderem força, tais como a UPP do Rio e a Ronda do Quarteirão do Ceará. As que melhor se estabeleceram, foram as que seguiram alguns parâmetros do modelo japonês. Mesmo assim; há uma deficiência estrutural básica: presença de fomento à cidadania, não se faz pelas polícias e sim pelo aparato de Educação, Cultura, Assistência Social, Esporte, Saúde entre outros.


Então entenda bem; a Polícia e a primeira linha da Justiça Criminal fazem seu papel numa perspectiva. E a garantir que o menino vai se desenvolver com esperança de futuro e que alguns homens dados ao crime habitual que aceitarem possam voltar ao meio social longe do crime é papel de uma outra linha da Justiça Criminal e, sobretudo, de um conjunto de programas, serviços e entidades da Proteção Social.


Entrar com força é a etapa “mais fácil”.

Difícil é preservar o território recuperado, evitando o “efeito sanfona”; entra, limpa, sai, perde. Deixa só eu corrigir algo: não é tão fácil assim; até porque estamos falando de repressão qualificada que exige alto treinamento e longo planejamento e monitoramento, para ser cirúrgico.


A estabilização real não está na metralhadora.


Está na reconstrução de vínculos comunitários,

na educação,

na saúde,

no esporte,

na cultura,

no trabalho.


A verdadeira política de segurança pública começa depois da operação policial, não durante.

E onde eu entro nisso? A Ecologia Humana da violência masculina


Eu deixo para a polícia e para a justiça criminal o enfrentamento do adulto já capturado pelas dinâmicas do crime.


Meu foco é outro: compreender ecologicamente:

• o menino antes de virar soldado do tráfico

• o jovem antes de entrar na dinâmica do colapso psíquico

• o homem ferido antes de virar agressor ou vítima


É trabalho de prevenção primária (antes do delito)

e prevenção terciária (depois do encarceramento, para que haja reinserção possível).


E por que falar dos homens?


Porque são eles que mais morrem e mais matam. Minha proposta, que passo a apresentar a partir de agora, como pesquisador brasileiro do tema, é a semente de uma abordagem em Ecologia Humana que tenta compreender:


• como o homem é produzido por seu território

• como é moldado pelas narrativas de masculinidade

• como é atravessado por economia oculta, desigualdade e sofrimento psíquico

• e como pode ser alcançado antes que o crime faça dele seu instrumento ou sua vítima


O objetivo é simples e ambicioso:

prevenir antes que o conflito armado em baixa intensidade se torne a normalidade irreversível da vida brasileira.


Esse é o debate que me proponho a aprofundar.

E convido você a acompanhá-lo.

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Wagner Soares de Lima

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Wagner Soares de Lima é professor, pesquisador e autor com trajetória transdisciplinar nas áreas de administração, segurança pública, subjetividade e educação. Já atuou como oficial da Polícia Militar, técnico em segurança universitária e hoje leciona no Instituto Federal de Rondônia.

 

Sua escrita mistura experiência de vida com pensamento crítico e sensível, transitando entre ensaio, autobiografia, espiritualidade e psicologia. Seus livros exploram temas como vocação, dor emocional, sentido de vida e os impactos humanos das instituições, sempre com o propósito de despertar consciências, curar histórias e reencantar trajetórias.

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