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Wagner Soares de Lima

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Reflexões sobre trabalho, vocação, instituições, afetos e as travessias invisíveis que moldam quem somos. Aqui, escrevo com escuta, compartilho ideias com alma e transformo vivências em pensamento — para quem busca sentido, recomeço ou apenas companhia lúcida no caminho.

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Os três impasses que explicam a instabilidade global: entre a soberania, o dólar e a democracia

  • Foto do escritor: Wagner Soares de Lima
    Wagner Soares de Lima
  • 5 de jun.
  • 5 min de leitura
A hegemonia dos Estados Unidos e a ascensão da China revelam as contradições profundas da globalização — trilemas geopolítico, econômico e monetário ajudam a explicar os limites estruturais da ordem internacional

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A política internacional contemporânea não opera mais sob a ilusão de um mundo plenamente harmonizado pela globalização ou regido por uma racionalidade econômica compartilhada entre nações. Os impasses que assistimos — sejam conflitos comerciais, instabilidades cambiais, disputas por hegemonia ou tensões internas entre política e mercado — não são meros desvios de rota.


Eles derivam de tensões estruturais mais profundas, que envolvem escolhas incompatíveis entre objetivos fundamentais como soberania, integração econômica e democracia. Ao longo deste artigo, apresento três trilemas que ajudam a compreender por que o sistema internacional opera sob conflito permanente — e por que tantas vezes os líderes globais parecem “correr atrás do próprio rabo”.


Esta reflexão é inspirada por uma análise feita pelo professor e cientista político Heni Ozi Cukier (HOC), durante o episódio #180 do podcast Market Makers (2024). Ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, professor da ESPM e pesquisador em relações internacionais, HOC ilustra os dilemas da política global com clareza conceitual e linguagem acessível. Aqui, busco expandir essas ideias com base nas obras dos autores que, estruturaram esses trilemas como modelos explicativos reconhecidos — em especial Dani Rodrik e Robert Triffin.






 

1. O Trilema Geopolítico: Hegemonia, Soberania e Globalização

Ainda que não tenha sido formalmente proposto na literatura, o primeiro trilema que apresento pode ser construído a partir da observação de três elementos centrais do mundo contemporâneo, cuja convivência plena se tornou insustentável:


  1. A hegemonia unipolar de uma superpotência, hoje exercida pelos Estados Unidos;

  2. A soberania nacional plena, exigida por países que desejam autonomia em suas políticas públicas;

  3. A globalização econômica baseada em fluxo livre de capitais, defendida por instituições multilaterais e agentes de mercado.


A coexistência desses três elementos exige contradições. Como explica HOC:

“Ou você quer um mundo globalizado com soberania dos países, e aí você não pode ter um hegemônico... Ou você tem um hegemônico com globalização, mas os países perdem soberania. Os três não cabem no mesmo jogo.”

Lógica do Trilema Geopolítico

  • Se optarmos por hegemonia e soberania, a globalização entra em colapso.

  • Se priorizarmos soberania e globalização, a hegemonia única se dissolve.

  • E se tentamos manter hegemonia e globalização, os demais países precisam abrir mão de sua autonomia política.



Esse trilema se manifesta com nitidez na atual disputa geoeconômica entre Estados Unidos e China. De um lado, os EUA tentam manter sua posição de potência dominante, inclusive controlando a moeda global. Para isso, no entanto, precisam operar em constante déficit fiscal e comercial — o que, paradoxalmente, compromete sua estabilidade.

 

De outro, a China estrutura sua ascensão com base em práticas comerciais que distorcem os princípios de concorrência internacional, como subsídios estatais, manipulação cambial e padrões ambientais reduzidos. Tal modelo permite competitividade artificial, mas enfrenta um limite interno: a ausência de uma classe média ampla e consumidora, que impeça o país de depender exclusivamente das exportações.


Assim, o mundo se vê preso entre a insistência de uma hegemonia unipolar insustentável e o avanço de uma potência emergente que opera fora das bases do comércio liberal. O resultado é instabilidade estrutural.



  

2. O Trilema Político-Econômico de Dani Rodrik (2007)

O economista turco Dani Rodrik, professor de Harvard, formalizou em 2007, no livro The Globalization Paradox, um trilema que se tornou central no debate sobre economia política internacional. Para ele, não é possível manter simultaneamente:


  1. A democracia nacional plena;

  2. A soberania estatal;

  3. A globalização econômica irrestrita.





Rodrik afirma:

“A globalização profunda e a democracia são incompatíveis com a soberania nacional. Podemos escolher apenas duas das três.” (Rodrik, 2011, p. xvii)

Esse dilema ganhou maior visibilidade após a crise de 2008, quando muitos países perceberam que os custos sociais da liberalização financeira podiam colidir frontalmente com decisões tomadas democraticamente. Governos democráticos se viram forçados a impor austeridade em nome da confiança dos mercados.

 

Lógica do Trilema de Economia Política Internacional

  • Democracia e globalização exigem que parte da soberania seja transferida a instâncias supranacionais.

  • Democracia e soberania impõem restrições à abertura econômica.

  • Globalização e soberania demandam o enfraquecimento da democracia como mecanismo decisório interno.

 

A tensão entre autonomia decisória e compromissos globais se acentuou, dando lugar ao nacionalismo econômico, à erosão institucional da União Europeia e ao retorno de práticas protecionistas nos Estados Unidos pós-Trump.


Rodrik alerta que, quanto mais aprofundamos a integração econômica global, mais restrita se torna a capacidade dos Estados de responder às demandas de sua população — e mais frágeis se tornam as instituições democráticas. Ou seja, a globalização, quando levada ao extremo, entra em rota de colisão com a autonomia democrática.

 



3. O Dilema de Triffin (1960)


No campo das finanças internacionais, o economista belga-americano Robert Triffin identificou em 1960 um paradoxo que permanece atual: o fato de a moeda nacional dos Estados Unidos, o dólar, também funcionar como a moeda de reserva internacional. Essa condição exige que os EUA emitam dólares em excesso para abastecer o sistema, o que só é possível com déficits permanentes em sua balança de pagamentos.


Segundo Triffin:

“O uso do dólar como reserva internacional cria uma contradição fundamental: ou os Estados Unidos geram os déficits que o mundo precisa, ou sustentam a confiança na sua moeda — mas não podem fazer ambos indefinidamente.” (Triffin, 1960)




HOC, ao tratar do tema, reforça essa contradição:

“Os déficits americanos não são porque o americano gasta demais, são questões estruturais. [...] O Pentágono e Wall Street adoram o dólar forte. Quem não está ganhando com isso é o trabalhador americano.”

Esse dilema coloca os Estados Unidos em uma posição de comando global às custas da erosão interna. Ao mesmo tempo, abre brechas para o surgimento de alternativas ao dólar — como o yuan digital, o ouro como lastro alternativo ou moedas de blocos regionais como os BRICS.


Nas palavras de HOC:

“Quanto mais o déficit da balança comercial e o déficit fiscal aumentam, menos é a confiança que se tem no dólar. Por isso que é um paradoxo — quanto mais ela [a moeda americana] se torna internacional, mais ela fica carregada de dívida e menos confiável ela é.”

De outro lado, a China cresce a partir de um modelo de industrialização estatal e dumping global, que contorna as regras do comércio internacional. Entretanto, esse crescimento esbarra em um limite interno estrutural:

“A essência do poder na China é incompatível com a mudança estrutural necessária para o país continuar crescendo. [...] O consumidor chinês não tem dinheiro porque o governo transfere renda para o setor produtivo.”

Neste cenário, não há harmonia possível: há apenas o gerenciamento de assimetrias crescentes, sustentadas ora pela dívida de um lado, ora pela repressão ao consumo do outro.


 

Considerações Finais

Os três trilemas apresentados — geopolítico, político-econômico e monetário — revelam que o mundo atual não está em crise por desorganização, mas por incompatibilidades sistêmicas. Os governos, por mais capazes que sejam, não podem entregar tudo ao mesmo tempo: autonomia, integração e justiça distributiva são forças em tensão, não em equilíbrio.


Compreender isso é fundamental para quem atua com planejamento, análise de risco, formulação de políticas públicas ou mesmo para quem deseja interpretar com mais maturidade os movimentos da economia e da diplomacia contemporânea.

 



Referências
  1. Rodrik, D. (2011). The globalization paradox: Democracy and the future of the world economy. W. W. Norton & Company. (Obra original publicada em 2007)

  2. Triffin, R. (1960). Gold and the dollar crisis: The future of convertibility. Yale University Press.

  3. Mearsheimer, J. J. (2001). The tragedy of great power politics. W. W. Norton & Company. 

  4. Cukier, H. O. (2024). Entrevista concedida ao podcast Market Makers #180. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=6glf-WSvY3I









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