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Wagner Soares de Lima

Blog

Reflexões sobre trabalho, vocação, instituições, afetos e as travessias invisíveis que moldam quem somos. Aqui, escrevo com escuta, compartilho ideias com alma e transformo vivências em pensamento — para quem busca sentido, recomeço ou apenas companhia lúcida no caminho.

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Saber dizer “eu quero”: o retorno de quem se perdeu amando demais

  • Foto do escritor: Wagner Soares de Lima
    Wagner Soares de Lima
  • 10 de nov.
  • 10 min de leitura
Na imagem, vê-se uma mulher dentro de um carro, olhando com expressão triste e pensativa através do vidro levemente embaçado pela chuva. Do lado de fora, uma mão masculina está encostada no vidro, alinhada à dela, mas separada pela janela. As gotas d’água reforçam a sensação de despedida e distância emocional. A cena transmite um momento de separação, silêncio e conexão interrompida.
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Saber dizer “não” não é o bastante, você também precisa aprender a dizer “eu quero.”

Mas o que você quer?

Você sabe querer algo por si mesma, mesmo que seja sem o outro?

Durante muito tempo eu também confundi amar com me fundir.

Hoje eu entendo que o amor não é fusão, é contato.

E contato exige distância. Porque mistura não é contato.

 

Contato é está perto, mas sendo você mesma.

Aí em alguns momentos você chega mais junto e depois se afasta.

Cada aproximação vira as inúmeras experiências que juntas contam a história de amor.

E em cada afastamento, dá tempo de ter saudade e você pode ter sua própria história, e isso é amor próprio.


Durante anos, achei que o amor era o espaço onde a vontade pessoal morria.

Que amar era ceder, adaptar, fazer caber.

Que o “eu quero” era perigoso, porque podia afastar quem eu mais queria perto.

Então, por medo de perder o outro, fui desaparecendo.

Aprendi a dizer sim para não perder o vínculo.

E no fim, perdi a mim mesmo e, ainda perdi o outro,

porque a outra pessoa se abusa disso.

 


1. Quando amar é se anular

Há um tipo de amor que se veste de entrega, mas é só medo disfarçado.

Você diz que gosta do mesmo estilo de música, mas prefere silêncio.

Diz que ama sair, mas queria ficar em casa.

Diz que está tudo bem, mas engole o incômodo e sorri.

No começo parece leve é só uma concessão.


“Pequenos sacrifícios de quem ama de verdade”, você diz.

Mas depois de muito negar a si mesma, não sobra mais nada de você.


A psicóloga Anahi D’Amico diz que “ficar onde dói é um jeito de se abandonar.”

E é exatamente isso que acontece quando você faz tudo o que o outro quer.

Você se abandona de forma doce, disfarçada, quase bonita.


E outro quer o que ele quer, não por maldade.

Na maior parte dos casos, não é maldade.

A outra pessoa simplesmente não é doente de amor como você.

Ela sabe do que gosta, e faz o que lhe dá prazer.

Óbvio, essas pessoas “normais” precisam aprender a ceder um pouco para estar num relacionamento.

Mas esperar que elas façam igual a nós, que amos demais;

Aí já é demais, porque seria esperar que elas também fossem doentes.


O autor norte-americano John Bowlby, ao explicar o apego ansioso, diz que o medo de separação é tão intenso que a liberdade passa a ser vivida como ameaça.

 

Você acabou sem saber dizer “eu quero”,

porque aprendeu que querer demais é arriscado.

Querer algo e dizer isso: fazia você apanhar ou ser posta de lado.

Isso doeu, e isso lhe marcou para a vida inteira.


Então, você prefere se encaixar.

Ser amada, mesmo que não seja vista.


Quem tem apego ansioso aprendeu na infância que só seria amado se agradasse.

Então, para não perder o amor, aprendeu a abrir mão de si mesma, abrir mão do que verdadeiramente lhe satisfaz.


Mas o amor não é fusão.

É contato.

 

E contato exige distância, ainda que pequena.

Virar apenas um, é poético, e é até um preceito religioso;

mas na prática isso não funciona de forma automática,

se tiver que acontecer, tem que ir aos poucos.

 

E, sobretudo, teria que ser dos dois lados.

Tanto dele, como de você.

Se a entrega vier só de um lado, a balança não fica equilibrada.

 


2. O ciclo da anulação

Tudo começa com pequenas desistências. A série que você não escolheu. O restaurante que nunca é o seu. O filme que você finge gostar só para não ficar como a chata da história.

Você acha que está sendo madura, flexível, amorosa.

Mas está apenas treinando o corpo a se calar.


E o problema é que, quando você se cala por muito tempo, uma hora o silêncio explode.

Aí vem a raiva, o choro, o desespero de quem fez tudo e ainda assim se sente sozinha.

Sozinha e não recompensada. Carregando o peso dos dois.

 

O outro se assusta.

Não entende.

Diz que você é intensa demais.

Louca demais.


A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa explica que pessoas sensíveis, como quem tem traços borderline, por exemplo; sentem tudo com intensidade máxima: o amor, a raiva, o medo e a culpa. Essa intensidade faz com que cada desatenção do outro soe como abandono.


E você, na sua “loucura” tenta compensar, sabe como?

Se entregando mais ainda. Isso não parece muito lógico, é evidente, que nesse ritmo vai ter problemas.


A terapeuta norte-americana Melody Beattie, referência sobre codependência, descreve esse padrão como um vício de cuidar:


“Cuidar do outro se tornou o jeito que encontrei para não encarar o vazio de cuidar de mim.”

Você ama tanto que se apaga.

Mas quem vive apagada, cedo ou tarde, se revolta.

A explosão vem e o outro só vê o descontrole, não vai entender o cansaço de ter chegado até ali lutando para dar amor, atenção e cuidado.

 

Lógico, veio tudo de graça, como o outro poderia saber que aquilo vinha com o seu sacrifício.

Você chegou a dizer para o outro o que você realmente queria?

Acho que não, né!?


E quando, você disse, e ele não se importou: você continuou cuidando dele e se descuidando a si mesma?

Você esperou o quê, que o cuidado por você, viria dele como um presente em troca pelo que você faz?

Até poderia vir, que bom se viesse. Vá me diga: veio?

Se não veio, a responsabilidade de ir a trás de que lhe satisfaz é sua, não dele.



Há um trecho no meu livro Precisei te perder para poder me encontrar em que a personagem Clara finalmente percebe que nunca aprendeu a querer sozinha: só sabia desejar o que o outro aprovava.

 

Ela é uma mulher que, por muito tempo, confundiu entrega com amor e silêncio com maturidade. Carregava dentro de si o medo de desagradar, o medo de ser deixada, o medo de ser ela mesma.

 

E quando começou a se ouvir, descobriu algo simples e profundo: o amor que cura é o que devolve a cada um o direito de ter vontade própria. Clara é apenas uma das vozes que compõem o livro. Cada personagem traz um tipo diferente de amor e uma forma diferente de se perder e, em algum momento, todos descobrem que o reencontro começa quando o “eu quero” volta a existir.


O meu livro não fala apenas de relacionamentos.

Fala também de identidade, solidão, espiritualidade, traumas, recomeços e autocompreensão.

É um espelho de tudo aquilo que a gente sente, mas nem sempre tem coragem de nomear.

E talvez esse também seja o seu ponto de virada.

 

"Eu precisei me perder nas histórias dos outros para descobrir que a minha história também merecia ser contada e que minha vida merecia ser bem vivida. E quando aprendi a dizer ‘eu quero’, foi a primeira vez que voltei inteiro para dentro de mim." Wagner Soares, Precisei te perder para poder me encontrar

 


3. O ponto da virada: reconhecer o que te move

O caminho da cura começa com uma pergunta simples e assustadora:

O que eu quero, de verdade?


Quero o quê, além do amor?

Quero ouvir o quê, além da voz do outro?

Quero sentir o quê, quando estou só?

Qual sabor eu prefiro, quando eu escolho por mim mesma.

O que me faz sorrir e me faz ter momentos felizes, sem a necessidade a agradar o outro.


O psiquiatra Fábio Schmidt lembra que “a recuperação não é sobre deixar de sentir, mas aprender a regular o que se sente antes que isso te destrua.” É aqui que o “eu quero” volta a nascer: tímido, confuso, mas verdadeiro.


Talvez você queira ouvir suas músicas, ler em silêncio, cozinhar sozinha, ver o filme que ninguém quer ver.

Talvez queira aprender algo novo, viajar sem companhia, sair sem pedir permissão.


Isso não é desamor.

É reconstrução.

Pode fazer, você tem esse direito.

Na verdade, levando em conta o tanto que você já entregou;

é seu dever e obrigação, buscar aquilo que também é o seu querer próprio.


Dizer “eu quero” é um ato de reconstrução do eu.

É o momento em que você volta a ser sujeito da sua história, e não apenas o objeto do amor de alguém.

O amor verdadeiro suporta duas vontades coexistindo.

Quem te ama de verdade não quer que você se anule para caber.

Quer te ver inteira, mesmo quando você escolhe diferente.

 

4. Amar sem desaparecer

A pesquisadora norte-americana Marsha Linehan diz que viver dialeticamente é aceitar que o amor e a solidão coexistem e por incrível que pareça o equilíbrio entre essas duas coisas é possível.


Vou repetir: você pode amar o outro e não está com ele agora.

Sua vida já existia antes de ser o casal atual.


Você pode amar e ainda assim querer coisas diferentes.

Pode estar junto e ainda assim precisar de espaço.

Pode ser uma só pele, mas dois mundos internos diferentes.


Na prática, você pode ir no mesmo restaurante e comerem coisas diferentes.

Vocês podem ir num restaurante da preferencia dele e em seguida ir no da sua preferência ou revezar um dia em um, um dia no outro.

E se ele não abrir mão do dele para uma vez ir no seu, você passa a ter o direito de dizer: então, vou no que eu gosto com minha amiga ou sozinha.


Quer ver outro exemplo bobo? Mas, que ajuda muito a entender:

vocês podem estar no mesmo sofá, com a pernas entrelaçadas,

porém ele está assistindo futebol na TV e você ouvindo música no fone de ouvido. 

Entendeu!? Juntos, porém separados; ao mesmo tempo.


Esse é um princípio da maturidade afetiva: ficar junto, sem se perder. querer, sem precisar da permissão. amar, sem desaparecer.

Como diz a autora Brené Brown, a vulnerabilidade é o que torna o amor real;

então amar sempre vai ter um pouco de se entregar,

ficar frágil diante que quem tanto conhece suas verdades íntimas.


Mas cuidado: vulnerabilidade sem limite, ela vira desamparo.

Desamparo é a entrega desesperada, na qual você se joga no abismo e espera que o outro lhe salve.

Dizer “eu quero” é a fronteira entre vulnerabilidade e essa entrega desesperada.


Quando você diz: “eu quero”, você põe um limite,

você pode fazer isso de forma educada e gentil.

Não precisa gritar, o outro não consegue adivinhar o que você quer.

Você precisa dizer.


Mas porque então, eu sei o que ele quer; sem nem ele precisar dizer?

Desculpe lhe responder com a verdade: isso é um problema seu.


É uma coisa que você pode chamar até de dom, de um talento.

Você é mais sensível, serve até para usar isso na sua profissão.

Mas se você fizer só isso da sua vida, exemplo:

Entender o que o outros querem e resolver os problemas deles;

Quando é que você vai cuidar dos seus?


O que vai sobrar da sua vida para você dizer que é realmente sua

e não a sombra da vida do outro?


Amar o outro é lindo. Mas continuar se amando dentro do amor é essencial.

 

5. Reencontrar o eu desejante

Por trás de toda codependência existe uma criança que aprendeu a merecer amor se adaptando.

Ela descobriu cedo que o “eu quero” trazia bronca, rejeição, ou silêncio.

Então, cresceu aprendendo a não querer.


Mas agora, que você é adulta, pode reaprender.

Pode dizer:

“Meu amor, eu vou naquele show mesmo que você não queira ir.”


A gente sabe que sua mãe dizia: “você não tem querer”.

Que pena que sua mãe ou outro adulto lhe treinou a sentir dessa forma.

Realmente lamento por você, esse adulto nem fazia ideia ques estava destroçando você por dentro.

E por isso, lhe digo, você pode precisar de terapia.


Mas aquela mãe falou isso quando você era criança e você realmente dependia dela para resolver tudo.


Agora, você é adulta.

Então, pode dizer, para seu marido ou namorado:

“Hoje eu quero ver meu filme, e tá tudo bem se você não quiser assistir.”

“Eu quero me ouvir. Eu quero me reencontrar.”


Eu quero saber quem eu sou, sem você; sem precisar te deixar. Mas se pra isso eu tiver que deixar, mesmo sendo o último remédio amargo para tomar, eu farei, porque não posso me perder mais do que já me perdi.

O autor norte-americano Stephen Karpman descreve o triângulo dramático das relações disfuncionais: vítima, salvador e perseguidor. Enquanto você vive para agradar, fica presa nesse ciclo.

 

Mas quando diz “eu quero”, você sai do triângulo e se livra do ciclo sem fim.

Você deixa de ser a vítima, que esperava recompensa que não veio.

Deixa de ser a salvadora, que cuidava sem cuidar de si mesma.

E começa, finalmente, a ser sujeito, protagonista da própria história.

 

Dizer “eu quero”, portanto, é o início da cura.

É o momento em que o amor deixa de ser sobrevivência e volta a ser escolha.

Como eu sei tudo isso?

Como eu consigo falar sobre isso de forma tão viva, que faz você até ter vontade de chorar?

 

Porque eu senti essa mesma dor e ainda estou aqui, lutando como um sobrevivente lúcido para não ter recaídas. Peguei cada pedaço dessa experiência e, com muito carinho, escrevi um livro. Gostaria de lhe convidar a começar a sua própria jornada de cura interior lendo Precisei te perder para poder me encontrar.

 

👉 Deixa eu lhe mostrar mais sobre o livro — clique aqui saber mais.


 

Quero te agradecer por ter chegado até aqui.

Espero que essa leitura tenha te feito pensar, ou talvez te dado o alívio de se sentir compreendida.


Se em algum momento você chorou, ou ficou em silêncio, apenas pare um pouco agora.

Tome um copo d’água.

Respire fundo.


E lembre-se: você não está sozinha.

O simples ato de se ouvir já é um começo de cura.


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É gratuita e enviada com calma: uma carta sobre amores, escrita para quem ainda acredita em recomeços.





 

Referências

Ana Beatriz Barbosa Silva. (2018). Mentes que amam demais: O jeito borderline de ser (ed. revista e ampliada). Principium.


Anaí D’Amico. (2024). Por que a gente insiste em ficar onde dói? [Vídeo]. Instagram: @dranahydamico.


Brené Brown. (2012). A Coragem de Ser Imperfeito. Rio de Janeiro: Sextante.


Fábio Schmidt & Ana Beatriz Barbosa. (2024). Transtorno de Personalidade Borderline. [Entrevista em vídeo]. YouTube.


John Bowlby. (1982). Attachment and Loss (Vol. 1): Attachment. New York: Basic Books.


Marsha Linehan. (1993). Cognitive-Behavioral Treatment of Borderline Personality Disorder. New York: Guilford Press.


Melody Beattie. (1986). Codependent No More: How to Stop Controlling Others and Start Caring for Yourself. Minnesota: Hazelden Publishing.


Stephen Karpman. (1968). Fairy tales and script drama analysis. Transactional Analysis Bulletin, 7(26), 39–43.


Wagner Soares de Lima. (2022). Precisei te perder para me encontrar. Amazon Digital Services. https://www.amazon.com.br/Precisei-perder-para-poder-encontrar-ebook/dp/B0FF3P6WY7

 

 

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Wagner Soares de Lima é professor, pesquisador e autor com trajetória transdisciplinar nas áreas de administração, segurança pública, subjetividade e educação. Já atuou como oficial da Polícia Militar, técnico em segurança universitária e hoje leciona no Instituto Federal de Rondônia.

 

Sua escrita mistura experiência de vida com pensamento crítico e sensível, transitando entre ensaio, autobiografia, espiritualidade e psicologia. Seus livros exploram temas como vocação, dor emocional, sentido de vida e os impactos humanos das instituições, sempre com o propósito de despertar consciências, curar histórias e reencantar trajetórias.

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